Para alguns, os jovens nascidos entre 1997 e 2010 são ‘mimados’ e ‘imediatistas’, mas saber dar feedback e aproveitar a ousadia dos novatos pode vir a ser um diferencial competitivo para as empresas
As redes sociais estão repletas de textões e memes opondo os chamados “genZ” e os veteranos no ambiente de trabalho. Há empresários que dizem não contratar mais pessoas dessa faixa etária por serem “preguiçosos e nem sabem usar o desktop”. E jovens que riem de gerações anteriores que teriam dificuldade de editar vídeo no celular e ficam sofrendo no mesmo emprego por muito tempo. Uma coisa é certa: as pessoas nascidas de 1997 a 2010, conhecidas como geração Z, já são 25% da força de trabalho e devem chegar a 30% até 2030, de acordo com a consultoria McKinsey.
“Com base nisso, promover a integração dessa força de trabalho é inevitável e urgente”, afirma o engenheiro de produção Geudsmar Soares Macedo, sócio da Radar Consultoria Empresarial, de São Paulo. “Muitas das críticas têm relação com os valores e comportamentos desses jovens”, diz. “É muito comum dizerem que são reclamões, mimados e que priorizam a lei do menor esforço.” Ele rebate essa generalização contando um caso pessoal.
“Recentemente, tive uma estagiária da geração Z extremamente competente, mas que sempre priorizou sua vida fora do trabalho, em relação à saúde física e mental. Trabalhar com ela foi um grande aprendizado sobre como equilibrar a vida profissional e a pessoal, algo que a minha geração acabou esquecendo e por isso adoeceu.”
Além do equilíbrio entre vida e trabalho, outras preferências dos genZ são feedback imediato sobre seus resultados e programas de crescimento de carreira transparentes. Mas será que um simples programa dentro da empresa é suficiente? Como promover a cooperação entre pessoas de todas as idades na cultura corporativa?
Autor de livros como “The Generation Myth” e “The Generation Divide” (sem tradução no Brasil, os títulos falam do “mito” e da “divisão” entre gerações), Bobby Duffy, diretor do Instituto de Política do King’s College de Londres, aconselha empresários a não criar estratégias específicas para os mais novos, e sim buscar a colaboração entre todos.
Por outro lado, a especialista em cultura corporativa Rebecca Robins recomenda oferecer orientações práticas e transparentes sobre os canais de comunicação internos e externos, como preferir o e-mail a mensagens de texto. Isso para que “fique bom para todo mundo: afinal, pela primeira vez na história temos cinco gerações na mesma empresa”.
Uma prática que costuma ser citada é a do conglomerado LVMH, de comércio de artigos de luxo, cuja iniciativa “Dare” encoraja os funcionários a propor novas ideias para o futuro. Ouvir de forma ativa os mais novos – algo que exige humildade – é uma necessidade para quem contrata estagiários. Na agência paulistana de marketing de influência MField, eles são muitos e têm entre 18 e 23 anos de idade. Os genZ representam 80% do quadro de funcionários ali.
“Enxergamos a presença dos profissionais mais jovens como um diferencial competitivo real”, explica o CEO Flávio Santos. “A velocidade, a escuta cultural e a ousadia que a genZ traz para o time são vistas como qualidade. Juventude não é sinônimo de despreparo, mas temos o desafio de formar uma nova geração com método e responsabilidade.”
Para isso, a MField tem o programa de estágio MStart, que funciona como uma escola prática de 12 meses, com desafios por projetos. Segundo Santos, a empresa dá suporte, mas espera protagonismo dos estagiários. Além disso, por meio de um programa de aceleração de startups, busca-se desenvolver pessoas com alto potencial para criar novas soluções. De acordo com o resultado, elas têm a chance de galgar posições dentro da empresa ou até mesmo virar sócias.
“Para garantir desempenho com qualidade de profissionais mais jovens, é necessário acompanhamento, clareza e troca constante”, afirma Santos. “Para isso, implementamos aqui rituais de mentoria entre os times, rodas de feedback frequentes e um modelo em que estagiários e analistas são sempre acompanhados por líderes experientes.”
Nem todos os veteranos são tão otimistas. “Os mais jovens amam elogios; querem recebê-los por qualquer atividade”, comenta uma gerente de tecnologia que prefere não se identificar. “O incômodo que eu tenho com funcionários mais jovens é que não são comprometidos com prazo. Não têm interesse em adquirir conhecimento sobre o negócio, são imediatistas. E choram o tempo todo.”
Para ajudar os funcionários com o controle das emoções – problema de quem não aprendeu a se frustrar, na opinião de muita gente -, a empresa de tecnologia Gateware, de Curitiba, criou o curso “Para, respira e não pira”, que ensina técnicas de controle emocional no dia a dia – e não apenas no trabalho. A parceria com psicólogos como benefício contratual também é uma constante.
“Precisamos dar atenção às necessidades emocionais sem um olhar de crítica, e entender a sobrecarga de uma geração que precisa acompanhar a inovação constante e ainda tem que cuidar do próprio amadurecimento”, diz a gerente de recrutamento e seleção da Gateware, Thatyane Costa.
Foi com esse olhar que ela selecionou a atual assistente do departamento de pessoas e cultura, Laura Gomes, hoje com 21 anos. Quando entrou na empresa, há dois anos, como aprendiz, Gomes logo pulou etapas em seu desenvolvimento graças a um projeto que ela mesma propôs e foi aceito: um canal de comunicação para acompanhar os novos contratados até completarem um ano de empresa.
Estudante de psicologia à noite, ela cita uma demanda frequente de sua geração: trabalho de modo híbrido ou totalmente remoto. “Trabalhar de casa é um grande diferencial, porque me dá tempo de fazer mais coisas”, diz Gomes. “Isso me ajuda a me organizar. O time é muito unido: eles entendem que se não posso fazer algo agora, daqui a pouco vou fazer. Contar com essa confiança me deixa muito tranquila no dia a dia.”
Outra qualidade que a genZ traz e tem inspirado os mais veteranos é a disposição de perguntar o que muitos teriam mais constrangimento, em especial sobre o próprio crescimento dentro da empresa. “Outras gerações se sentiram obrigados a aceitar tudo”, observa Costa. “Mas os representantes da geração atual são questionadores. Se não se identificam com o meio, vão buscar novos desafios.”
O consultor Geudsmar Macedo relativiza o modo como a genZ costuma ser vista: “Será que um jovem de origem periférica, geralmente negro, que sempre viveu com escassez, se enquadra como ‘mimado’? Ou é uma geração que está sendo submetida a uma generalização?”.
Há sinalizações de que a nova geração tem menos interesse em empregos com carteira assinada, mas, como sempre, não é possível generalizar. Um exemplo da diversidade de intenções é o de Vitória Fernandes, de 18 anos. Ao completar 16, ela correu para fazer sua carteira de trabalho e começou a mandar currículos. A surpresa foi ser chamada por uma das empresas de seleção para integrar seu próprio time. Há quase três anos no Banco Nacional de Empregos, de Colombo (PR), Fernandes galgou postos e já é gerente de um dos sites de captação do grupo.
“Vejo outros jovens como eu que têm muita vontade de crescer, e sabem que o mundo não é fácil”, diz Fernandes. “Se você quer algo, tem que correr atrás e botar a cara a tapa. No ensino médio, eu saía 6h de casa e chegava de volta à meia-noite.” Hoje na faculdade, ela se organiza para tarefas tanto profissionais quanto pessoais usando uma plataforma de gestão de projetos. “Também tenho uma distribuidora de bebidas, então preciso me organizar muito, inclusive nas atividades de fim de semana.” Entre suas prioridades está ajudar financeiramente a família.
Quando os pais podem sustentar o jovem, a recomendação do estudante de jornalismo Bernardo William Mariano Rodrigues, de 21 anos, é aproveitar a oportunidade. Ele tem emprego numa emissora de televisão, onde sua prioridade é aprimorar seus talentos. “É preciso se esforçar pensando no futuro para se estabelecer no mercado de trabalho, conquistar uma imagem de profissional competente.”
O difícil trabalho de perceber quem tem esse perfil em meio à nova geração cabe a pessoas como Giovanna Martins Dias, responsável por pessoas e cultura na edrone, empresa polonesa de automação de marketing e gestão de relacionamento com o cliente para e-commerce, com sede brasileira em São José dos Campos (SP). Aos 28 anos, ela tem uma visão clara das diferenças geracionais.
“Para nossos pais, o trabalho era visto como um dever a ser cumprido com dedicação quase incondicional”, diz. “Já para a geração Z, o bem-estar está no centro, e eles não veem mais sentido em se submeter a experiências que pareçam injustas ou adoecedoras.” Mesmo assim, acrescenta Dias, os genZ demonstram intolerância ao desconforto e apresentam uma incidência significativa de ansiedade e outros quadros relacionados à saúde mental. “Mas, antes de atribuir a causa a uma suposta fragilidade individual, é preciso olhar para o ambiente de trabalho.”
Para Dias, o uso intenso de tecnologias ampliou as diferenças, pois “os mais jovens querem agilidade e resoluções digitais, enquanto os mais experientes valorizam interações pessoais e presenciais. Esse contraste pode gerar atritos, mas também é um convite para o aprendizado mútuo, se houver abertura”.
Sua colega Lívia Anderson Vieira, de 22 anos, especialista em contas gratuitas na edrone, não abre mão de autonomia. “Aqui tenho espaço para propor mudanças, testar ideias e sei que, quando fazem sentido, elas são levadas em consideração. Isso me motiva bastante. Também gosto do incentivo ao desenvolvimento: a gente aprende com os erros, troca experiências e cresce junto. O que mais me ajuda é o time, pois sempre tem alguém disposto a explicar ou indicar o melhor caminho.”
Também colega, Leandro dos Santos Dantas, de 26 anos e já líder de time da edrone, conta o que faz quando depara com uma tarefa que não domina. “Pergunto, observo e troco experiências. Além disso, busco referências e conhecimento na rede para acelerar meu aprendizado e suprir rapidamente a necessidade”, diz. “Quando existe espaço para troca de ideias e reconhecimento, conseguimos evoluir mais rápido e contribuir de forma mais significativa para a empresa.”
A edrone procura reduzir diferenças, tanto culturais, por ser uma multinacional, quanto geracionais, com instrumentos como o “1:1”: a cada 15 dias, encontros permitem que gestores acompanhem o desenvolvimento individual, alinhem expectativas, identifiquem necessidades de capacitação e construam planos de crescimento com cada um.
O feedback contínuo costuma ser a saída para a convivência harmoniosa, conta Patrícia Maria Matias, psicóloga e supervisora do Núcleo de Apoio, Acessibilidade, Desenvolvimento e Empregabilidade da Faculdade Donaduzzi, que integra o Biopark em Toledo (PR). Ela cita uma pesquisa internacional da revista Forbes, em parceria com a Hult International Business School, em que 37% dos gestores afirmaram preferir contratar inteligência artificial a um recém-graduado genZ.
“Na prática, essa resistência muitas vezes está relacionada a preconceitos e dificuldades de adaptação mútua”, afirma Matias. “Isso porque os genZ tendem a refletir antes de agir, questionando o porquê das tarefas. Se não enxergam um objetivo claro e direto, podem demonstrar menos proatividade. Essa característica é frequentemente interpretada como ‘falta de iniciativa’, mas, na realidade, está muito ligada a um desejo por significado e por compreender o impacto das suas ações.”
Nas empresas com foco tecnológico, essa integração costuma ser uma necessidade ainda maior. “Reunimos jovens da geração Z e profissionais veteranos na mesma mesa”, afirma Wagner Monteverde, gerente de tecnologia e inovação do grupo educacional Integrado, de Campo Mourão (PR). Para ele, essa convivência se tornou uma vantagem: “Os mais experientes traduzem regras acadêmicas e regulatórias em prioridades claras, antecipam riscos e apoiam a gestão de mudanças, enquanto os jovens dão ritmo, trazem novas visões, dominam novas ferramentas e testam protótipos com usuários reais”.
Na mesma instituição, a secretária acadêmica Danieli Menegassi de Castro coordena um time de oito pessoas, de 14 anos até 50+. “Um exemplo claro dessa troca foi o caso de uma jovem integrante do núcleo de matrículas que trouxe soluções de automação de atividades por meio de inteligência artificial, o que tornou os processos de matrícula mais ágeis, integrados e eficientes”, diz Castro. “Essa experiência mostra que, quando diferentes gerações trabalham em conjunto, há um verdadeiro intercâmbio de conhecimentos e práticas, que fortalece a equipe e melhora os resultados.”
Nem tudo são flores quando o tema das diferenças de gerações é abordado nas redes sociais, onde o mais frequente são críticas e denúncias. Para procurar um denominar comum, a lição vem do professor Ivo Carraro, de 77 anos, que optou por continuar trabalhando como coordenador do Centro de Atendimento Psicopedagógico do Grupo Uninter, em Curitiba.
“O mundo que conheci tinha referências verticais: pais, diretores, autoridades”, diz. “Com a virada do século e o avanço da tecnologia, o mundo se tornou horizontal, uma rede cheia de possibilidades. Meu papel é ajudar os jovens a enxergar essas possibilidades e transformá-las em oportunidades. Pois vejo uma geração ansiosa, muito preocupada com o futuro e com sua saúde mental. Ao mesmo tempo, é um grupo que valoriza o meio ambiente, é rápido, criativo e conectado.”
As recomendações de Geudsmar Macedo passam pelo temido feedback: os mais velhos precisam aprender a priorizar uma comunicação de qualidade. “É importante fazer uma gestão por resultados e não por presença física”, diz. “E entender que a lealdade no trabalho agora é baseada em crescimento mútuo e não em carreiras lineares numa única empresa. A mudança mais importante é de mentalidade: passar de chefe para líder, combinando a experiência dos veteranos e a energia das gerações mais jovens com humildade e curiosidade para aprender juntos.”
Matéria elaborada pela Smartcom e publicada pela revista Valor Econômico.
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